Perspectiva Legal sobre Assassinos em Série

O Sistema Jurídico e os Assassinos em Série

No Brasil, assim como em muitos outros países, não existe uma tipificação específica para o crime de "assassinato em série". Os assassinos em série são julgados de acordo com as leis penais existentes, principalmente pelo crime de homicídio, previsto no artigo 121 do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940).

Quando um indivíduo comete múltiplos homicídios em momentos distintos, cada crime é considerado separadamente, podendo ser aplicadas as qualificadoras previstas no §2º do artigo 121, como motivo torpe, motivo fútil, emprego de meio cruel, ou para assegurar a execução de outro crime.

"Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. §2° Se o homicídio é cometido: I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe; II - por motivo fútil; III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime: Pena - reclusão, de doze a trinta anos." - Código Penal Brasileiro

Imputabilidade e Responsabilidade Penal

Uma questão central no julgamento de assassinos em série é a determinação da imputabilidade, ou seja, a capacidade do indivíduo de entender o caráter ilícito de seus atos e de determinar-se de acordo com esse entendimento. O Código Penal Brasileiro estabelece em seu artigo 26:

"É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento." - Artigo 26, Código Penal Brasileiro

No caso de assassinos em série, a avaliação da imputabilidade é frequentemente complexa e controversa. Embora muitos possam apresentar transtornos de personalidade ou outras condições psiquiátricas, a maioria é considerada imputável pela justiça, pois geralmente:

  • Compreendem o caráter ilícito de seus atos
  • Planejam meticulosamente seus crimes
  • Tomam precauções para evitar serem descobertos
  • Demonstram capacidade de controlar seus impulsos em outras situações

Como observado em estudos de psiquiatria forense, "apesar de alguns experimentarem certa perplexidade em relação aos próprios atos, em geral a capacidade de entender o caráter criminoso de sua conduta é plena, e não há desejo de controlar o impulso, o que os torna totalmente responsáveis perante a lei brasileira."

Medidas de Segurança vs. Pena Privativa de Liberdade

Quando um indivíduo é considerado inimputável ou semi-imputável devido a transtorno mental, em vez de cumprir pena em presídio comum, pode ser submetido a medida de segurança, que consiste em:

  • Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico (antigos manicômios judiciários)
  • Tratamento ambulatorial, dependendo da natureza do delito e das condições pessoais do agente

A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984) regulamenta a execução das medidas de segurança. Diferentemente das penas, que têm prazo determinado, as medidas de segurança têm prazo indeterminado, perdurando enquanto não for verificada a cessação da periculosidade, mediante perícia médica.

No entanto, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que a medida de segurança não pode ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito, que no caso do homicídio qualificado é de 30 anos.

Avaliação de Periculosidade

A avaliação de periculosidade é um elemento crucial no tratamento legal de assassinos em série, especialmente quando há discussão sobre inimputabilidade ou semi-imputabilidade. Esta avaliação é realizada por meio de perícia psiquiátrica forense, que busca determinar:

  • A probabilidade de reincidência criminal
  • O risco que o indivíduo representa para a sociedade
  • A necessidade de internação ou tratamento ambulatorial
  • A possibilidade de cessação da periculosidade

O laudo pericial em casos de assassinos em série frequentemente envolve uma análise detalhada do histórico do indivíduo, padrões de comportamento, motivações para os crimes, presença de transtornos mentais e capacidade de controle dos impulsos.

Legislação Comparada

Diferentes países adotam abordagens distintas para lidar com assassinos em série do ponto de vista legal:

País Abordagem Legal
Brasil Não há tipificação específica. Aplicação do crime de homicídio com qualificadoras. Pena máxima de 30 anos.
Estados Unidos Varia por estado. Alguns estados possuem pena de morte para casos extremos. Possibilidade de prisão perpétua.
Argentina Similar ao Brasil, com aplicação do Código Penal Argentino (Lei 11.179) e possibilidade de reclusão perpétua em casos graves.
Europa Abordagem mais focada na reabilitação, com ênfase em tratamento psiquiátrico. Penas geralmente mais brandas que nos EUA.

Desafios do Sistema Jurídico

O sistema jurídico enfrenta diversos desafios ao lidar com assassinos em série:

  • Identificação de padrões: Reconhecer que crimes aparentemente isolados fazem parte de uma série cometida pelo mesmo indivíduo
  • Avaliação psiquiátrica: Determinar corretamente a presença de transtornos mentais e seu impacto na imputabilidade
  • Prevenção: Desenvolver mecanismos para identificar potenciais assassinos em série antes que cometam múltiplos crimes
  • Reabilitação vs. punição: Equilibrar a necessidade de proteger a sociedade com a possibilidade de tratamento e reabilitação
  • Limitações das penas: No Brasil, mesmo os assassinos mais prolíficos estão sujeitos ao limite máximo de 30 anos de prisão

Referências